terça-feira, 27 de agosto de 2013



VOCÊ FALOU MEU NOME...


Qual o significado...
de você tê-lo pronunciado?
Cris...
Você me chamou?
Sonhou?
Eu entro neste seu mundo isolado?
Meu amor!
O tempo...
Como ele passou para você?
Foi tão longo para nós.
Tão duro sem você.
Sem seu riso.
Seu jeito moleque.
Sabia que ficou um vazio?
Seria tão bom se você voltasse desse sonho de bela adormecida.
Saísse caminhando.
E sua voz enchesse a casa.
Na mesa falta você.
Jogo de cartas?
Eu nunca mais quis nem ver.
Até sua tosse enchia a casa.
Parece que a ouço... e seu riso.
Era para marcar presença sua personalidade extravagante?
Ó, minha querida!
Tantos anos...
E que falta você faz!
Parece que existia mais cor no mundo quando você chegava.
Você dizia que éramos parecidas e que era tão bom ficar ao meu lado.
Estou recordando algo tão louco e tão puro.
Quando você viu o “Di”, você se apaixonou na mesma hora.
Não se cansava de repetir que ele era lindo.
E o puxou pelas pernas.
O arrastou pela sala.
O assoalho...
A roupa que ele usava era azul naquele dia.
Ele amou você!
E ria tanto com a brincadeira.
Você ria ainda mais.
Parecia adivinhar que ia durar tão pouco a convivência com ele.
Ele já é um moço agora e me pergunta como você era.
Quer saber as coisas que falávamos.
O que você tinha de tão diferente.
O que vou contar? Que você preenchia espaços?
Que era um anjo?
Que iluminava o ambiente em que entrava?
Como vou contar de um riso cristalino que arranha meu peito recordar?
Como vou contar de uns olhos que tinha toda a ternura no olhar?
Como falar de uma menina meiga que se afastou de nós para viver num mundo que ninguém pode entrar?

sonia delsin 


FÊNIX


O sonho é o mesmo de sempre. O desejo é imenso e indescritível; ver a ave voltar à vida, das cinzas.
Diz a lenda que ela sempre volta; mesmo quando tudo indica que as esperanças todas já se foram.
É assim que eu a imagino: voltando das cinzas.
Cristina, eu ainda acredito que você pode despertar desses longos anos de silêncio.
O que significou para você todo esse tempo? Onde esteve?
Seu corpo esteve o tempo todo aí nessa cama.
Mas eu falo de sua alma enorme. Onde ela andou hem?
Alguma coisa muito estranha a manteve viva e ao mesmo tempo a roubou de todos nós.
Como dói ver esses enormes olhos abertos que parecem passar por nós sem nos ver! Ou quem sabe se você não vive numa outra dimensão vendo mais do que possamos imaginar que se possa ver?
Cris, eu queria entender mais. Queria poder agarrar essa sua alma que não sei se ainda está com você.
Às vezes chego a pensar que você viaja pelas esferas, e vai e volta desse corpo frágil.
Você toca no mais íntimo de nós. Você fala mais do que quando podia usar sua vozinha infantil e levemente estridente. Você faz com que a gente se ponha a refletir mais no sentido da vida.
Sim, a verdade é que esse seu corpo ficou para mostrar para todos nós que existe algo maior do que podemos imaginar.
Sonho com você voltando.
Ainda queria poder conversar com você e usufruir de sua companhia tão agradável.
Mas será que sua volta seria triunfal como "fenix"? Será que você seria a mesma Cris? A mesma pequena "Tiutia"?
Eu confesso, nós não entendemos nada de eternidade, de vida e de morte, nada.
Somos completamente ignorantes dos mistérios do mundo.
Por mais que tentemos nos agarrar a um ideal forte, uma convicção; somos quais velas frágeis jogadas no imenso oceano.
Acho que você aí nesse leito não é uma prisioneira.
Gosto de imaginar que você está solta e livre e que seu corpo é a resposta para as pessoas.
Tomara que eu esteja certa, tomara que você não esteja sofrendo. Tomara que o sofrimento seja só o nosso de não podermos tê-la conosco.
Deus! Como é difícil entender o triste drama que se abateu sobre você e sua família!
Quantas vezes eu a senti tão próxima!
Quantas vezes pedi para você voltar!
Até entender que deve existir uma razão par o que lhe aconteceu e que nenhuma pedra muda de lugar sem o consentimento de Deus.
Cris, essa é a sua história, a nossa. Sei lá!
É uma história de dor, mas é também uma lição de vida. Não pode ter acontecido simplesmente.
Eu rezo silenciosamente e peço o melhor para você.
Cansei de pedir para você voltar e se nunca tive a coragem de pedir a Deus que a levasse de vez me perdoe; se era o que desejava.
Agora eu peço que se realize o que você mais deseja. Peço ao Pai Eterno que nos dê coragem.
Se você voltar um dia que seja da melhor forma. Que seja uma nova Cris, ou aquela menina tão doce.
Não ouso dizer que o mundo é lindo e que você tem uma vida inteira pela frente.
Não sei o que você viveu durante todo este tempo. Nem sei se viveu.
Você era boa no jogo de cartas. Quem sabe se não estará escondendo o jogo? Será que no final dará uma cartada de mestre?

sonia delsin 


AO MEU PAI

Pai, no mundo espiritual onde você habita agora o tempo já não conta mais, ou conta?
Já se passaram dois anos, e custa-me crer que estamos tanto tempo sem você!
O mundo parece que ficou mais vazio sem sua presença contagiante.
Sabe, pai, eu sempre soube que era tão importante para você!
Seus olhinhos brilhavam tanto quando eu chegava e eu via neles tanta tristeza quando eu me despedia, nos últimos anos.
Às vezes penso que estou sendo mal agradecida a Deus, pois tenho tantas pessoas amadas ao meu redor, mas falta você...
Pai, os seus últimos dias de vida foram tão duros. Estivemos tão interligados naqueles dias.
A sua hora derradeira pegou-se desprevenidos. Estávamos só os dois e eu custei a acreditar que você estava indo para sempre.
De mãos dadas estávamos e eu lhe doaria anos de minha vida, sem hesitar um só instante.
Seus olhos fitavam os meus e eu via medo nos seus.
Eu lhe falava, mas eram palavras soltas no vento. Você já não me ouvia.
Divisava ao longe alguma coisa que me escapava.
Pai, eu vi você ir-se e doeu. A ferida ainda dói.
Tento apagar da memória essas lembranças dolorosas, mas nem sempre consigo.
Elas voltam. Voltaram agora, neste momento em que escrevo.
Pai, eu fui a filha que mais lhe trouxe preocupações. A que mais mexeu com seu coração.
Fomos tão sincronizadas um ao outro. Era tão bom! Você parecia ler nos meus olhos as mensagens todas e eu sentia que você compreendia a minha alma.
Eu sabia que a minha fragilidade mexia com você, e às vezes queria lhe mostrar uma força que nós dois sabíamos que eu não tinha.
Ó meu querido, estou continuando a minha luta aqui! Você continua a sua aí?
Como eu gostaria de saber como foi para você chegar do outro lado. Eu também o achava frágil e queria protegê-lo.
Até qualquer dia, meu querido.
Vamos fazer de conta que a morte não existe. E existirá de fato?

sonia delsin 


MÃE QUERIDA

Hoje, tão logo acordei, o telefone tocou.
Em pleno domingo de manhã, só podia ser você minha mãe!
Ouvi sua voz querida me contando que as acácias desabrocharam, que as rosas vermelhas estão lindamente enfeitando o seu jardim e umas belas flores (sempre me esqueço o nome delas e você o disse ainda hoje) abriram-se, às centenas.
Mãe, eu senti a solidão na sua voz e uma cobrança não feita com palavras.
Senti que você me desejava aí para apreciarmos juntas a beleza da primavera irrompendo em seu jardim.
Ai, que vontade de sair correndo, atravessar morros e vales e estar ao seu lado!
Enquanto nos falávamos ao telefone eu pude me sentir aí. Juro que pude sentir o perfume das flores, vi os cachos de acácia se debruçando sobre o caule. Pude sentir a maciez das pétalas das rosas. Pude apreciar os beija-flores e as borboletas fazendo festa.
Ó mãe, eu sei que você não consegue viver longe dessa casa onde viveu por tantos anos, ao lado de meu pai!
Eu também não saberia viver longe de minhas lembranças...
Quando você vem passar um tempo conosco eu vejo que nos primeiros dias até fica empolgada com as novidades, com a alegria de estar ao nosso lado.
Mas depois, eu sinto que você já não é feliz aqui. Sente falta dos parentes, dos amigos, da casa, do jardim...
Mãe, às vezes eu acordo no meio da noite e fico pensando em você.
Perco
o sono, fico cismando. Trago de volta tudo que vivemos juntas e penso que seria tudo tão mais fácil não fosse o sentimentalismo.
Sinto que não posso preencher o vazio de sua vida, porque sempre ficaria faltando alguma coisa.
Vocês viveram uma longa história e eu sei a falta que ele lhe faz.
Quando estou aí percorro com os olhos os cômodos todos, o quintal, cada canto procurando-o.
Mãe, ele se foi. Mas deixou um pouco de si em cada cantinho.
Não sei como você consegue conviver com todas essas coisas que lembram ele... não sei...
Embora saiba que também agiria exatamente igual a você.

sonia delsin 

segunda-feira, 26 de agosto de 2013



PAI

Pena que não me lembro de quando era ainda um bebê.
As pessoas me contam que você vivia a me carregar para todo canto.
Devo ter gostado tanto disso!
Já um pouco maior eu guardo as minhas lembranças. Lembro-me de você brincando de bola comigo. Uma bola plástica azul e rosa, com uns desenhos em alto relevo do Pato Donald. Quantos anos eu teria, quatro ou cinco?
Você a chutou e ela rolou barranco a baixo indo cair no córrego. Não medi conseqüências, corri atrás dela e me joguei na água suja para tentar recuperá-la.
Não a recuperamos porque você só se preocupou em me socorrer depressa.
E quando eu o chateava com pedido: Deixa? Deixa?
Algumas vezes eu o vencia pelo cansaço.
Você era o meu herói. Lembro-me que era um homem autoritário e paciência nunca foi o seu forte.
Você foi um homem tão bonito, com seus cabelos tão pretos, seus olhos castanhos esverdeados. E o bigode que tanto eu lhe pedi que raspasse uma vez só para mim... nesta parte você nunca cedeu. Nunca o vimos sem o bigode.
Meu pai, você era um homem simples, mas existia alguma coisa especial que o fazia diferente. Chamam isso de carisma.
Eu adorava vê-lo trabalhando porque via que punha amor em tudo que fazia. Seu sangue italiano falava alto em você.
Como
amava a terra, a natureza!
E como falava, ó Deus! Argumentava o tempo todo. Queria que a última palavra sempre fosse a sua.
Na nossa meninice víamos você vestir todas os finais de tarde um terno bem discreto e sair.
Isso fazia parte de você.
Eu sempre esperava acompanhada da mãe lá na sala, enquanto ela me contava história e enquanto os velhos fantasmas nos visitavam.
Era tudo fruto de nossa imaginação? Talvez fosse mesmo.
Quando você chegava nos trazia sempre alguns doces. Os docinhos em formato de carrinhos e homenzinhos eram os meus preferidos. E cocada fita!
Você não me beijava efusivamente como eu desejava ser beijada. Me beijava só com os olhos e eu entedia tudo o que eles me diziam.
Eu o temia muitas vezes, mas o amava tanto! Os manos nem se aproximavam muito de você naquele tempo. Tinham certo receio.
Eu me arriscava mais e não me lembro de nenhuma surra, só me recordo de frases assim: “Não me amole menina”, “Deixa disso”, “Não insista”, “Vê se cria modos garota” e “Não, não e não”.
Em muitas ocasiões você demonstrou me amar intensamente e isto eu guardo no coração.
Talvez tenha compreendido a minha alma mais que qualquer pessoa do mundo. Você sentia quando eu sofria e era só com seus olhos incríveis que me acariciava. E que olhos, que carícias!
São tantas as lembranças de minha infância, tão doces!
De minha juventude tantas dores vividas.
Quando ficamos adultos, você já havia se desarmado daquela pose de pai sisudo e nos mostrava tal qual era lá no íntimo.
Que pessoa sensível se escondia lá no fundo!
Aos poucos fomos descobrindo-o, mas a depressão o enlaçou e quantos estragos lhe fez.
Pai, eu o sinto tão vivo ainda em mim. Para onde a morte o levou que você parece estar aqui, bem do meu lado, me vendo escrever.
Não quero mais recordá-lo naquele seu fim de vida no hospital. Me recuso a lembrá-lo morto.
Sinto que você está aqui, bem aqui, a me proteger de tudo... só com seus olhos maravilhosos. Sinto sua presença. Você não morreu, meu pai...

sonia delsin 


A ALGUÉM QUE DEIXOU SAUDADES...

Meu querido tio, remexendo hoje numa caixa onde guardo velhos retratos, deparei com duas antigas fotografias suas.
Uma de frente, outra de perfil. Nas fotos você está com uma longa barba branca. Um perfeito Papai-Noel!
Enquanto e meus dedos deslizam sobre as velhas fotografias acaricio-as com os olhos.
Já se passaram quase vinte anos que você nos deixou. (Que mistérios as cortinas do tempo escondem que os mortos permanecem tão vivos dentro de nós?)
Tio, eu ainda posso ouvir sua voz e a maneira única que você tinha de dizer o meu nome.
Quando vivo nunca lhe envie uma só carta e não me lembro de ter dito uma única vez o quanto lhe queria bem.
Acho que nem precisava...
Você também nunca me disse, mas eu sentia o quanto me amava.
Quando eu era ainda uma menina você vinha nos visitar e trazia sempre uma porção de amigos. Eu adorava quando você chegava e nem pensava o quanto era difícil para meus pais hospedarem tantas pessoas.
Você era uma pessoa assim... sem limites, sob vários aspectos.
Enquanto escrevo fico imaginando se você estivesse aqui para lê-la, consigo mesmo imaginar a expressão de seu rosto.
De cada olho brotaria uma lágrima e desceria pela sua face.
Posso mesmo ver seus olhos negros, líquidos olhos...
Eles se enchiam de lágrimas quando você me contava as coisas da sua infância, de como fora difícil ser criado sozinho “neste mundo de meu Deus”.
Por quantas situações embaraçosas você passou até conhecer minha tia e casar-se com ela!
Tio, não havia laço de sangue nos unindo, mas existiam afinidades e carinho. Que podem significar os laços de sangue perante o amor?
Você deixou marcas em mim, muitas marcas.
Um dia eu comi uma conserva de jiló que você preparou. Só comi para lhe agradar. Você havia preparado com tanto gosto! Eu odiava jiló, mas amava você...
Como foram tristes seus últimos anos de vida! Aquela doença ingrata lhe fez sofrer tanto... e a todos nós.
A tia me presenteou com as fotos logo depois de sua morte. Contou-me que foi a única vez que você deixou a barba crescer.
Guardo os retratos com carinho e guardo-o afetuosamente em meu coração também. Um dia quem sabe a gente se reencontre... quem sabe...

sonia delsin 


QUERIDO EMANUEL

Todas as tardes você vinha me ver. Não que eu fosse naquele tempo uma companhia agradável. Não, agradável era você!
Trazia sempre um sorriso no rosto e me estendia a mão com ternura.
Querido Emanuel! Nossos papos daquele tempo foram tão proveitosos.
Eu era uma pequena rebelde. Rebelava-me contra a realidade nua e crua e você vinha me contar coisas corriqueiras que me motivavam a crer no mundo.
Naqueles tempos eu desconhecia tantas coisas e experimentava a dor, a dor que leva ao desespero.
Você era bondoso por natureza e a natureza fora ainda mais prodigiosa em fazê-lo padre.
Você era especial com seu sorriso terno e com sua voz macia. Suas mãos seguravam as minhas e olhando nos meus olhos você me falava.
Éramos confidentes. Não que eu confessasse coisas a você como a um padre. Não, só éramos amigos e para os amigos eu podia falar o que eu pensasse. Eu desabafava meus sofrimentos, chorava no seu ombro.
Eu sei que você não achava perdido o tempo que passava comigo, você estava fazendo o seu papel de padre. Às vezes eu era intragável e em seus olhinhos tristes formavam-se lágrimas que você não derramava.
Pensava até que qualquer hora você descobriria que eu era um caso perdido, mas que nada! Você voltava com seu sorriso doce, mesmo quando na véspera eu fora tão azeda.
Ó Mane! Amigo de um tempo em que lutei bravamente com a vida.
Quando eu consegui vencer a primeira batalha quis que você compartilhasse da minha vitória e você ria e chorava comigo naquele dia.
Parecíamos até dois bobos a comemorar.
Nós nos desencontramos pelos caminhos do mundo.
Seu presente para mim foi um Evangelho que guardo como uma preciosidade. Certa vez você me enviou outro presente, um crucifixo de prata, que guardo com carinho imenso.
Desejei que fosse o padre a me casar, mas você se encontrava fora do Brasil naquela época.
Acabou celebrando o batizado de meu filho caçula tantos anos depois.
Meu querido amigo, sei que está tão envelhecido. Que mora numa cidade um tanto distante da minha.
Nunca mais aconteceu de nos reencontrarmos, mas não o esqueci jamais.
Você foi um dos anjos que Deus enviou para mim num tempo em que o que eu mais carecia de anjos.

sonia delsin